segunda-feira, 8 de outubro de 2007

A Fé que atrai multidões e movimenta milhões


Religião sempre foi tema polêmico. E continua a ser. Prova disso é que muitos conflitos, de pequenas e grandes proporções, como as guerras, são, ainda hoje, “supostamente” travadas em nome de Deus. Muito freqüentemente, convicções religiosas radicalizam-se, surgindo, assim, os fundamentalismos, responsáveis pela destruição irracional de cidades, inclusive as consideradas sagradas, e pela perda lamentável de inúmeras vidas. Para alguns, essa temática é praticamente um tabu, justificando o antigo ditado popular que diz: “Religião não se discute”. Penso ser incompreensível que, a despeito de tamanha evolução econômica, social e cultural por que temos passado, homens ditos civilizados usem de preceitos e dogmas sagrados, que, ao menos teoricamente, visam ao bem-estar geral e à paz, para obtenção e manutenção de poder material. A meu ver, tais atitudes chegam a ser paradoxais e, portanto, injustificadas.

Creio que nunca na história da humanidade foi tão importante, digo imprescindível, a necessidade de fortalecer valores morais e éticos como a tolerância e o respeito às diferenças. Até porque vivemos em um mundo de enorme diversidade, em todos os sentidos: geográfica, política, econômica, étnica, cultural, social. Enfim, somos todos muito diferentes, graças a Deus! Sendo assim, por que não aceitá-las? A meu ver, são essas pequenas e grandes diferenças que valorizam a vida humana, que nos inspiram e incitam a refletir nossas existências e experiências, que nos possibilitam inovar e renovar atitudes e comportamentos. Não podemos perder de vista que a religião é, em sua essência, um traço identitário de um indivíduo ou grupo, compondo, portanto, sua cultura. Para mim, em se tratando de aspectos culturais, deve-se ter bastante cautela ao se fazer comparações, principalmente quando estão em estágios evolutivos significativamente distintos, podendo-se, assim, incorrer em injustiças muitas vezes inconseqüentes e irremediáveis.

Na verdade, essa reflexão de caráter pessoal foi uma breve introdução ao tratamento de um dos assuntos mais caros ao setor do Turismo: o volumoso deslocamento de visitantes e turistas – ditos peregrinos – a diversos destinos turísticos de apelo religioso, seja em datas comemorativas ou não. Esses movimentos configuram os chamados “Roteiros da Fé”, cada vez mais disseminados nacional e internacionalmente. O Turismo Religioso figura como uma das principais modalidades de atividade turística em âmbito mundial, mais especialmente no Brasil, considerado o maior país católico do mundo. A despeito do Catolicismo ser, ainda, a prática religiosa dominante, outras religiões – Islamismo, Judaísmo, Protestantismo, Candomblé, entre outras – costumam atrair milhares de fiéis a seus ”templos”, movimentando vigorosamente as economias locais e regionais, principalmente no que diz respeito ao comércio e prestação de serviços.

Para o Ministério do Turismo brasileiro (Mtur), “O Turismo Religioso configura-se pelas atividades turísticas decorrentes da busca espiritual e da prática religiosa em espaços e eventos relacionados às religiões institucionalizadas”. Consiste na realização de visitas a locais que expressam sentimentos místicos ou suscitam a fé, a esperança e a caridade nos fiéis. Na prática, são verdadeiros espetáculos de fé e devoção. Ao mesmo tempo em que se presenciam cenas de amor e crença inconteste, capazes de nos causar encantamento, há também cenas dolorosas de flagelação, que nos provocam fortes emoções. São as ambigüidades da interpretação e da prática da fé.

Fora do Brasil, destacam-se: Cidade do México, em função de N. Sra. de Guadalupe, reconhecida como a protetora das Américas; Fátima, em Portugal; Santiago de Compostela, na Espanha; Lourdes, na França; Swieta Lipka, na Polônia; Assis, Roma e Vaticano, na Itália; os mais de 100 mosteiros da Suíça; Jerusalém (Terra Santa), em Israel; Llasa, capital do Tibet, na China, onde vive o Dalai Lama; Meca, na Península Arábica, a mais importante das cidades santas do Islã, onde nasceu o profeta Maomé; Delfos, na Grécia, onde se situa o famoso Oráculo de Delphos, localizado no interior de um templo dedicado ao deus Apolo; Kasi ou Benarés, cidade sagrada da Índia; e, mais recentemente, em virtude da posse do Papa Bento XVI, a cidade de Munique, na Alemanha.

No Brasil, são mais de 50 os destinos religiosos espalhados de norte a sul do país. Entre os mais relevantes, ressaltam: Belém do Pará (PA), onde cerca de dois a três milhões de devotos disputam a corda da berlinda de Nossa Senhora de Nazaré, na famosa festa do Círio de Nazaré; Juazeiro do Norte (CE), onde aproximadamente dois milhões de fiéis celebram, no dia 24 de março, sua fé em Padre Cícero; Nova Trena (SC), que recebe, por ano, 250 mil devotos de Madre Paulina; e Bom Jesus da Lapa (BA), conhecida como a capital baiana da fé, concentra, no mês de agosto, a segunda maior festa religiosa católica do país, com milhares de fiéis, sendo conhecida como Procissão ou Romaria do Bom Jesus. Em função da canonização, pelo Vaticano, de Frei Galvão, conhecido como o protetor das parturientes, Guaratinguetá (SP), sua terra natal, é o mais novo destino de fé do país.

Porém, uma vez que estamos no mês de outubro, vale salientar o principal destino turístico brasileiro de cunho religioso: Aparecida do Norte, na região do Vale do Paraíba (SP), conhecida mundialmente como uma estância turístico-religiosa, onde muitos milhares de fiéis celebram, anualmente, dos dias 03 a 12, a padroeira do Brasil, Nossa Senhora da Conceição Aparecida, com ricas e emocionantes novenas e missas festivas, celebradas tanto na Catedral-Basílica de Nossa Senhora Aparecida – conhecida como “Basílica Nova” - quanto na Basílica Nacional de Aparecida - dita “Basílica Velha”. Ao ano, são cerca de sete a oito milhões de visitantes. Os devotos usufruem, no Santuário, de uma infra-estrutura turística bastante satisfatória, para o que contam com o Complexo Administrativo e Turístico e o Centro de Apoio ao Romeiro, onde se pratica um amplo comércio para todos os gostos (e bolsos). Há, também, sala de batizados, capela da penitência, sala das promessas, berçário, bazar, museu, galeria de exposições, consultório médico e amplo estacionamento. Muitos também são os meios de hospedagem e estabelecimentos alimentícios distribuídos pela cidade. Até para as crianças (embora não só para elas) há opção de entretenimento: um grande parque de diversões, onde são desenvolvidas atividades lúdicas e culturais.

Aparecida do Norte é uma cidade relativamente pequena, com cerca de 112 Km² e aproximadamente 35 mil habitantes, mas possui um grande patrimônio histórico e cultural, composto de prédios antigos, monumentos, antigos seminários e igrejas, em grande parte de arquitetura marcadamente seiscentista, que merecem uma cuidadosa visita e apreciação. Por ocasião do Carnaval, o município dispõe de retiros espirituais para os que desejam afastar-se das atividades profanas típicas da festa momesca. A cidade é também movimentada pela festa de São Benedito, que ocorre uma semana após a Páscoa, congregando milhares de devotos.

O que se pode constatar é que essa modalidade turística representa importante alavanca econômica, entretanto há que se fazer um permanente acompanhamento da atividade e de seus fluxos, no sentido de evitarem-se as problemáticas comuns da massificação: excesso da capacidade de carga da cidade e seu entorno (com comprometimento da infra-estrutura básica), congestionamentos, incremento da poluição (água, solo, ar), superlotação dos locais de visitação e adoração, além do sempre possível risco de descaracterização da autenticidade cultural local. Mais uma vez, planejamento, organização e consciência crítica são essenciais. Aliás, o que é o Turismo sem tais estratégias?

P.S.: Imagens retiradas do Google Images. Da esquerda para a direita: Meca / Aparecida do Norte / Grécia (Delfos)

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