quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Ó paí, ó: uma baianidade "for export"


Uma vez que a última postagem se refere propriamente a Salvador e, além disso, Dulce nos forneceu a deixa para falar sobre a tão conturbada e polissêmica noção de baianidade, sinto-me conduzido pela maré, como todo bom soteropolitano, a falar algumas coisas a respeito de tal problemática. E, como estamos imersos num blog sobre turismo, nada mais cabível que elencar um ícone cinematográfico que bem espelha, não completamente, a baianidade que exportamos para o mundo. Tal referência está inscrita no filme mais recente de Monique Gardenberg, “Ó paí, ó”, que conta com a produção e participação de Lázaro Ramos.

Pois bem, não me atenho, nestas entrelinhas, a comentar os aspectos propriamente fílmicos desta película, ou seja, a narrativa enveredada por Gardenberg. De todo modo, arrisco-me dizer que é um filme sem um enredo e trama amarrados, uma multiplicidade de personagens que, por conseguinte, deixa a narrativa solta e perdida. Em relação à história do filme, ou, em termos cinematográficos, à fábula, ela não nos diz muita coisa, apenas espelha, ou tenta exprimir, alguns estereótipos acerca do povo baiano. Estereótipos esses que são a alegria do baiano, o negro forte e destemido conquistador (a gíria atual baiana para isso é “putão”), o candomblé como religião oficial da Bahia, a ridicularização da religião evangélica, a própria histeria das pessoas que moram no Pelourinho, o excessivo apelo erótico-sexual, o Carnaval... No entanto, Gardenberg tenta mostrar a não-submissão do negro perante ao branco, o lado da pobreza destes citadinos soteropolitanos (que não é muito focada) e, por fim, a própria violência nos arredores financeiramente desprivilegiados da cidade.

A questão que se faz muito forte é a confirmação de estereótipos, sejam eles considerados positivos ou negativos. Obviamente, o cinema trabalha com a estereotipagem. Mas, ainda assim, quando a proposta, e ao que me parece é esta em “Ó paí, ó”, é de ruptura com estereótipos, podemos considerar que o citado filme malogra em seu intento. A baianidade que é evidenciada no filme, para além das questões já citadas, é uma visualização dos panfletos e folders que os órgãos oficiais baianos de turismo exportam. “Venha para a Bahia e você se sentirá em casa com esta grande hospitalidade, com o vigor do povo negro...”.

Entretanto, para o soteropolitano, a questão acerca da baianidade não se resume a isto. Como já fora apontado, ela é um tanto polêmica e múltipla. O discurso da baianidade porta consigo múltiplas vozes. Atenho-me à noção da cultura negra de raiz (ou melhor, o que é cultura de raiz?!). Apesar de pregar um discurso da multiplicidade de raças e da ampla aceitação, o que podemos perceber é que toda esta multiplicidade está circunscrita, majoritariamente, na figura da cultura negra, que já não é, há muito tempo, raiz. Uma coisa precisa ficar clara para nós, soteropolitanos e turistas, antes de ser uma cidade da dita cultura negra, Salvador está imersa num país que se chama Brasil e que possui raízes para além das africanas. A Cidade da Bahia já criou suas raízes há um bom tempo. A Salvador em que nascemos é híbrida, desde sua gênese, e isto, para qualquer cultura, é algo primoroso.

Por fim, a questão da baianidade é hoje, para mim, uma questão de mero discurso. Logicamente, esta noção é útil para diversos discursos, desde o Movimento Negro (muito forte na cidade) até as agências de viagem. O palco desta batalha é um caminho muito interessante de ser percorrido e assistido, todavia, não me intrometo a perambular sobre ele. Comentar sobre a ratificação de estereótipos no filme de Gardenberg é um recurso para falar como muitos dos soteropolitanos adoraram esta película e passaram a usar esta gíria popular nos diversos grupos sociais de Salvador. Portanto, o filme ultrapassa uma mera representação.


P.S.: Imagens retiradas do Google Images. À esquerda o cartaz do filme; à direita, um óleo sobre tela de um Pelourinho pretérito.

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